Eis que lanço neste blog o meu conto “Dois
Tons de Tempo” que faz parte da Antologia de Novas Vozes de
Contos e Poesias da LURA Editorial.
Este conto é minha
primeira obra online que se hospeda em meu próprio blog, com possibilidade de
se agregar comentários para que este texto componente de uma antologia possa
ser ampliado, reduzido, retificado, ou reescrito a qualquer momento, dando
margem ao aprimoramento. É uma obra
interativa.
A LURA EDITORIAL lançou sua primeira antologia compondo com dez autores. Cinco CONTOS e cinco
POESIAS. Entre muitos escritores cinco contos foram escolhidos e entre eles
“DOIS TONS DE TEMPO”.
Antologia é uma coleção de trabalhos
literários ou musicais usado para categorizar coleções de obras, tais como
histórias ou romances curtos, escritos em prosa
ou verso, em
geral agrupados por temática, autoria ou período e em um único volume para
publicação.
Neste caso, a Lura Editora pediu um conto de ficção
entremeado com a realidade com dez páginas no máximo. Assim criei este texto que convida a um mergulho no tempo. O
tema escolhido para este conto é uma visita fascinante de uma bisneta ao
contexto de seus bisavós numa retroativa de 100 anos.
Emerge no texto a personagem da bisneta como fictícia e mais os
antepassados, os quais foram muito reais e presentes na história do Planalto
Norte de Santa Catarina.
A história acontece durante
uma visita aos citados bisavós, ocasião em que foi servido um café colonial e
aí se desenvolve um diálogo interessante entre pessoas com diferença de quatro
gerações. Confira e participe. Sua opinião é importante.
Como obra
física existe na comunidade 20 volumes com esta apresentação.
* * * * * *
Antologia de Novas Vozes
DOIS TONS DE TEMPO
Conto
de Sinira Damaso Ribas
O presente trabalho é um conto
e como tal é ficção e, no caso entremeado com a realidade.
Este texto convida a um
mergulho no tempo. O tema escolhido para este conto é uma visita fascinante de
uma bisneta ao contexto de seus bisavós numa retroativa de 100 anos.
A personagem da bisneta é
fictícia, mas os bisavós foram muito reais e presentes na história do Planalto
Norte de Santa Catarina.
Nossos antepassados nos
deram a vida, de um ventre ao outro, de mão em mão, de sopro em sopro, no
suceder das gerações. São nossos predecessores e nossas próprias vidas passadas
e estão presentes dentro de nós, em nossos genes, em nossa ancestralidade.
As células de nosso corpo
contêm ecos de nossa família, e influenciam na forma de percebermos a
realidade. Somos a manifestação direta dos conceitos de vida de nossos pais,
avós, bisavós e familiares.
A
reconexão com os ancestrais ajuda a compreendermos quem nós somos e de onde
viemos. O conhecimento da origem da família, sua ligação a uma tradição, a uma
cultura, a uma religião é parte fundamental da estrutura de identidade do Eu e
requisito fundamental também para a autenticidade e maturidade da personalidade
de cada um.
Eis
a razão desta narrativa fictícia recheada de sentimento e gratidão.
Sinira Damaso Ribas
Antologia de Novas Vozes
DOIS
TONS DE TEMPO
1º Capítulo
VOLTA AO
PASSADO
Dando um grande salto
temporal de um século, retornamos ao ano de 1917.
Marta, cidadã de nossos
tempos, em pleno século XXI vai visitar seus bisavós Manoel Estêvão Furtado e Brandina
Carvalho Lustosa Furtado em sua residência na localidade de Rodeiozinho,
colônia próxima de Papanduva.
Usamos o artifício da volta de um século no tempo. Afinal, quem nunca quis retornar ao passado para conversar
com seus antepassados ou até para reescrever parte de sua história?
Era um domingo, dia de primavera
ensolarada... A tarde amarelada com o sol de setembro convidava ao passeio...
Já nas imediações da
casa de comércio com uma varanda ao lado e um caramanchão florido, sentia- se o
perfume das bougainvilleas acomodadas em
As tímidas flores roxas foram as primeiras a
despontar naquele ano. Floresciam solitárias em meio ao verde exuberante.
Quanta emoção invadia
Marta. Afinal tudo ali era novidade e a conversa com pessoas tão qualificadas
deveria ser muito interessante, pois era forte o desejo de conhecer a vida de
seus antepassados pioneiros. Como era sua vivência no início do século passado?
* *
Fazendo um parêntese
adicionamos alguns comentários sobre os personagens deste conto:
Manoel
Estêvão Furtado (1863 – 1939), vulto cívico papanduvense, nasceu
em setembro de 1863 em São José dos Pinhais, Paraná. Perdeu o pai ainda muito
cedo, mas recebeu boa educação. Os revezes da vida fizeram dele um lutador
contumaz, acostumado ao trabalho na lavoura, agrimensura e comércio com
tropeiros.
Em 1890, na Catedral de
Curitiba, casou-se com virtuosa dama da sociedade paranaense, Brandina Carvalho Lustosa (1872-1938).
Este casal morava em São José dos Pinhais,
onde nasceram seus primeiros filhos.
A família Furtado, com poucos bens materiais, mas com ânimo
para trabalhar, veio fixar residência em localidades em que Manoel poderia
exercer sua profissão de agrimensor e topógrafo, como Rio Preto, na época
pertencente ao Paraná.
Manoel Estêvão Furtado, mais tarde morando na Moema, negociava
com imigrantes fixados na Colônia Lucena e tropeiros que transitavam na serra
do Bom-Sucesso.
Em 1902, já com 07 filhos,
os Furtado se estabeleceram nos arredores de Papanduva, onde desbravando matas,
construíram sua casa de morada, comércio atacadista e depósitos, instalaram sua
fazenda e abriram estradas no local denominado Rodeio.
Manoel Estêvão era um homem
culto, tinha grandes conhecimentos de agrimensura, facilidade em redigir
documentos, comunicação e fino trato. Era avançado para sua época, pois mesmo
morando no interior tinha a assinatura do jornal com a maior tiragem no Estado
do Paraná.
Foi um grande líder e
político na região. Manoel Estêvão Furtado, muito trabalhou em Papanduva e
Itaiópolis (Colônia Lucena), como defensor dos direitos dos colonos poloneses e
ucranianos (direito de posse ou compra de terras pelos estrangeiros no Brasil).
2º Capítulo
Encontro
de gerações por um Século
Retornemos
ao nosso fantástico passeio em que uma
bisneta volta a uma primavera que pertence a pessoas de um tempo de outrora.
Marta chega (com seu
automóvel) à frente da Capela dos Furtado e adentra o pequeno recinto para
fazer uma oração ao santo da devoção da família, Bom Jesus de Iguape.
A morada dos Furtado ficava
mais atrás, à esquerda. Batidas de palmas alertam os donos da casa.
Padrinho Furtado e Madrinha
Branda chegam à varanda e recebem a visitante.
-Boa tarde. A bênção,
Padrinho, a bênção, Madrinha. Vocês não me conhecem, mas sou Marta, sua bisneta
e venho de Papanduva, para lhes fazer uma visita.
- Deus te abençoe, ... Deus
te abençoe, responderam os moradores. Já vimos de tudo, mas esta visita é muito
estranha.
- Não se preocupem com a
novidade. Desde o ano de 2014 conseguimos voltar no tempo. No caso estou
voltando 100 anos.
- Então seja bem-vinda. Aqui
nós vivemos com simplicidade, trabalhamos bastante e estamos rodeados de
vizinhos, parentes, compadres e empregados.
- Sei disso, pois o lastro
de amizade da família é muito grande. Mas, me contem como vão de saúde.
Padrinho Furtado, como
gostava de ser chamado, (o casal achava que avô envelhecia) relatou sua viagem
a Iguape meses atrás: - Olha, melhorei muito depois que paguei uma
promessa de ir até o Santuário de Bom
Jesus e inclusive trouxe uma imagem para colocar na capela que construí para o
nosso povo. Posso dizer que estou a cada dia melhor deste problema da perna. A Brandina
também está muito bem.
O casal foi de trole de
molas até Rio Negro, de la até Curitiba, prosseguiu de trem até Paranaguá e depois de barco a vapor
até Iguape. Na volta ainda comprou maquinários para montar uma serraria que
trabalhou no Rodeiozinho por muitos anos.
- Então neste ano, as comemorações
do dia do Santo já foram na capela nova?
- Sim, fizemos dias de
oração, já antes de seis de agosto. No dia da festa preparamos churrasco de uma
novilha e como sempre, no almoço servimos saladas, pão e sobremesa de arroz
doce para todos os devotos.
- E a senhora, Madrinha
Branda, teve muita trabalheira?
- Ah sim, sempre tenho, mas
não me faltam ajudantes, minhas comadres e vizinhas e a família toda. A minha
governanta Cecília me acompanha há anos, desde quando viemos de Curitiba.
- Mas que bom, e as lavouras
como vão?
Padrinho Furtado com um
sorriso largo e passando uma mão nos bigodes, afirmou que já fez vários “puxiruns”
para preparar a terra e que já iniciou a semeadura de feijão e milho.
- O trabalho é grande com a derrubada
da mata, queimada, aração puxada com cavalo, semeadura, carpida e colheita, só
com o arado como mecanização e no mais com a foice e enxada.
Quanto ao “puxirum” era
costume antiquíssimo dos agricultores promoverem essa interessante reunião, com
fito social e ao mesmo tempo para facilitar suas plantações ou colheitas. Os
nossos índios já faziam derrubada e queimadas, num trabalho solidário chamado pysyrõ.
-
Padrinho, como são feitos estes puxiruns?
- Ah Marta, a gente marca a
data bem adiantado, convidando todos os vizinhos, compadres, parentes e amigos
para o serviço. Quando chega o dia, todos aparecem cedo trazendo suas
ferramentas. Antes do café com mistura
(broa com torresmo e carne de porco ou pão com mel), servido pela Branda e as
comadres, já vou servindo aos homens, uns tragos de cana “para esquentar”.
- E as lavouras ficam perto
daqui?
- Algumas são aí junto, mas tenho plantações
em toda a redondeza. Então depois todo mundo vai pras roças e eu comandando e
pegando junto no pesado. Quando é o caso de roçada, o pessoal é distribuído
pelas capoeiras, com boa distância pra começar o trabalho. E lá pelas dez
horas, o serviço já atinge o auge do rendimento, e o pessoal já roçou muita tiguera.
– Padrinho, isto é trabalhoso, mas divertido!
- Ah sim, a vizinhança não perde os meus
puxiruns por nada. No final rende uma porção de alqueires e litros. Medimos em
braças (2.20m), mas só para ser ter ideia do tamanho dos eitos trabalhados. Fazemos inclusive uma oração para que tudo
saia bem e mando todo mundo passar alho nas botas para espantar as cobras.
- Maravilha, padrinho!
Enquanto
isso um chimarrão corre de mão em mão.
Padrinho Furtado continua
narrando:- A Branda e a mulherada da cozinha serve o almoço caseiro com feijão,
arroz, couve, saladas e carnes preparadas em
tachos e panelões. Depois da comida, a gente enrola mais uns “palheiros”
e volta ao serviço, com a mesma boa vontade até ao entardecer. A janta também é
reforçada.
- Gostei demais desta modalidade de trabalho,
exclama Marta entusiasmada. - Hoje se usa muito trabalho em equipe que no fundo
tem algo de parecido.
- Calma menina, o melhor vem depois, à noite
com o baile do puxirum, quando aquele pessoal que trabalhou de sol a sol, ainda
dança e diverte-se cheio da mais justa satisfação, até o dia amanhecer.
E assim, continua o Padrinho
Furtado: Com isso, cada vizinho volta pra casa satisfeito, achando que deu o
seu “ajutório”, como eles falam e sabendo que quando precisar de algo, tem com
quem contar. Quando alguma mulher fica viúva ou algum colono fica doente, a
gente trata com homeopatia e eu mesmo convoco o meu pessoal de sempre pra fazer
o serviço de planta ou colheita conforme é preciso.
- Madrinha e padrinho...., como
é importante esta forma de trabalho, coisa que nos meus dias não acontece mais.
- De fato, é uma forma muito boa de trabalho
congregado.
Só para listar os momentos
mais expressivos, lembramos que Manoel Estêvão Furtado, na passagem do século
XIX para XX, vivenciou grandes transformações como a abolição da escravatura, participou
da Revolução Federalista, tomou ciência da proclamação da República, teve a
cabeça à prêmio na Guerra do Contestado, acompanhou a ampliação acelerada do
mercado interno e a imigração em massa.
A conversa corria solta.
-E como vai sua casa de
comércio?
-
Não dá pra se queixar porque sempre temos a procura de muita coisa. Lido com
varejo e atacado. No varejo temos de
tudo, desde secos e molhados, tecidos, máquinas de costura, ferragens e
material de trabalho para a lavoura, produção de laço, bruaca, arreio, pelego e
outros.
- E a sua casa de comércio
no atacado também é importante na região?
- Sim eu negocio com os
imigrantes “polacos e ucraínos” que chegam aqui, faço a medição dos lotes e
recebo um tanto em terreno e outro tanto em marcos, por isso sempre vou a
Curitiba trocar o dinheiro, fazer compras e visitar os parentes da Branda.
Continua: Compro madeira, mando fazer
dormentes pra estrada de ferro e negocio muito com erva. Logo mais começo a
serrar e os negócios devem aumentar, mas os filhos me ajudam muito.
- Assim os negócios se
ampliam!
- Agora sei que a maneira de
fazer roças vai mudar bastante. Tenho
acompanhado pelos jornais as criações de Henry Ford, mas agora em 1917 fiquei
sabendo que ele criou uma máquina com força de 20 cavalos com o nome de Trator
Fordson. Isso vai ajudar muito nos trabalhos de lavoura.
- Qual é o jornal que o
senhor assina?
- Assino o “Jornal do
Commercio”, que tem a maior circulação no Paraná e pego números avulsos da “Folha da Tarde” de
Curitiba porque é um jornal bem feito, noticioso, bem redigido, que a gente lê
com prazer e fica satisfeito de ter empregado os 100 reis do seu custo, rsrs
- Já se vê que o senhor é
pessoa muito bem informada.
A bisneta/afilhada
continuava perguntando: - E com erva o senhor tem negociado muito?
- Sempre, porque compro toda
a erva produzida nas colônias e mando de carroção a Rio Negro. Tenho quatro
carroções viajando direto. O trajeto é pela Estiva e muitas vezes no Passo
Ruim, quando chove, as coisas se complicam. Algumas vezes nós mesmos entregamos
a erva em Joinville e de lá vai para exportação.
- É verdade que a erva vai em barricas para o
porto?
- Vai sim, em barricas de pinho de 100 quilos
líquido. Em Rio Negro existem as fábricas de barricas e aí no Papanduva fabricam os arcos. Em 1900, quando cheguei aqui
tinha até fábrica de rótulos para as barricas, mas o pessoal foi embora com
medo dos jagunços.
- É mesmo?
- De fato a região sofreu muito no tempo das
revoltas e muita gente foi embora daqui para o litoral. Vai demorar muito pra
estes lugares se recuperarem dos prejuízos.
- Sem dúvida.
- O melhor mesmo é que neste ano de 1917
decidiram as divisas entre os Estados e já sabemos que de agora em diante
estamos em Santa Catarina. Acaba esta história desagradável de pagar impostos aqui
e ainda mais para o Paraná que teima em botar barreiras de cobrança. Imposto
sempre foi uma desgraça desde o tempo dos tropeiros. Cobram demais, não canso
de dizer que é por isto que o Brasil não vai pra frente.
3º
Capítulo
Café com Mistura
A prosa seguia animada
quando surgiu o convite para que todos fossem tomar um café com mistura. Era
inigualável o aroma do delicioso café feito no fogão à lenha e no coador de
pano. A cozinha espaçosa com 40 metros quadrados era o cômodo principal da
casa.
Quando chegava alguma
visita, invariavelmente ninguém iria embora sem provar as delícias preparadas
por dona Brandina.
A Mesa de refeições era de
imbuia maciça e tão comprida que comportava toda a família e os criados domésticos.
O dono da casa sentado à
cabeceira da mesa conversava com calma num ambiente acolhedor. Marta
encantou-se com o bule e açucareiro de esmalte e café servido em canecas de
louça. E o “bolo estendido” não poderia faltar, ou melhor, “bolinho Furtado”
como também era conhecido, foi servido recheado com queijo e marmelada caseiros.
De volta à sala a conversa
seguia muito interessante quando Manoel Estêvão Furtado comenta que aproveita a
volta dos carroções para trazer mercadorias para as bodegas do interior, como
Moema, Iracema, Colônia Lucena, Tuneira, São Tomaz, para sede do Distrito,
Salto do Itajaí, Queimados e Floresta.
Depois de vários comentários
sobre a vida da família no Rodeiozinho, a bisneta conta como está o Papanduva
de agora na educação, no turismo, na agroindústria, na pecuária de corte e
leiteira.
- Os senhores precisam saber
como está o Papanduva de hoje, na época atual em que vivo, nesta segunda década
do século XXI.
A cidade continua com suas
ruas de 20 metros de largura como o senhor meu bisavô projetou num trabalho
como topógrafo contratado pela prefeitura de Rio Negro. Há um século, quanto
tempo atrás, o senhor já teve uma visão futurista. Meus parabéns!
- De fato as cidades
vizinhas tinham as ruas bem mais estreitas.
- A educação que vocês tanto
prezam continua firme se expandindo no Município. Uma novidade é que não
existem mais aquelas escolinhas isoladas nas colônias. Nos dias de hoje as
crianças vem de ônibus assistir aulas na sede de Papanduva. E agora ainda
inventaram escola em tempo integral, o dia todo com refeições e tudo.
- Interessante!
- Mais uma novidade: na
entrada da cidade de Papanduva existe uma escola grande que leva o seu nome Escola
de Ensino Fundamental Manoel Estêvão Furtado e o clube de mães da escola tem o
nome de Madrinha Branda.
- Quem diria!
- Mas foi uma homenagem
muito merecida, pois o senhor contratava professores para as crianças da sua
vizinhança e pagava do próprio bolso e inclusive trazia as lousas de Curitiba
para os alunos escreverem.
-É verdade, a Brandina fazia
muito gosto que todas as crianças tivessem aulas, não só os nossos filhos.
- Nos dias de hoje se usa
quadro de giz e aparelhos chamados computadores que funcionam melhor do que um
rádio porque têm imagem e mostram pesquisas e notícias do mundo todo e nele se
escreve com a maior rapidez. As crianças são muito espertas nisso.
-
Que coisa incrível!
- A agricultura mudou muito. De
alguns anos para cá pode-se dizer que houve uma verdadeira revolução verde com o
uso de sementes novas e práticas agrícolas que permitiram
um enorme aumento na produção. Hoje existe uma febre
incontrolável pela busca de produtividade, qualidade, competitividade e lucratividade. É uma correria
desenfreada!
- Mas com calma se consegue fazer um trabalho muito
melhor!
- Também penso assim, mas agora se
fala em Qualidade Total e em sustentabilidade; tudo deve ser equilibrado com relação às
plantações, o uso certo da terra e o bem de quem trabalha nela.
Fala-se em inclusão
social para incentivar a permanência das
pessoas nas colônias, com maior rendimento de suas lavouras e condições de
viver melhor.
- Mas isso é muito positivo.
- Ah, mais uma novidade: agora, para muita gente, não existe mais o problema de seca e o perigo
de perder as roças porque inventaram
instrumentos que vão girando e jogando água nas lavouras por horas a fio.
Chamam de irrigação.
- Mas que bênção!
- Outra coisa : os bancos financiam as lavouras e no caso
de perdas os seguros pagam uma parte, mas nunca o total como prometem. O melhor
mesmo é orar para que as lavouras vão bem.
- Eu também não gosto de emprestarar de bancos. E os
bancos só dão dinheiro pra quem já tem. O melhor é fazer as coisas na raça
mesmo.
- Mas é isso, padrinhos. Este
Município tem grandes lavouras de soja, que vocês nem conhecem, ou melhor, só
conheciam como forragem; é campeão em criação de suínos e tem uma boa criação
de gado de corte e de leite e se expande na agroindústria.
- Gostei muito de
saber destas novidades. Vou ter muito no que pensar por uns tempos, rs.
- Lembrei de uma novidade melhor ainda. Saiba o senhor
que temos uma estrada larga, bem feita, parelha como se fosse cimentada que vai
direto de Papanduva até Blumenau, passando pela serra do Bom Sucesso e Doutor Pedrinho. Chamam este revestimento das
estradas de asfalto e esta chama-se SC BR
477, nosso sonho antigo.
- Puxa vida, agora
sim o comércio e tudo vai deslanchar nesta região.
- Tem mais coisas fantásticas que usamos. Agora, no meu tempo, existem aparelhos
chamados computadores que ajudam nas
pesquisas de todos os assuntos e a quantidade de conhecimento que pode ser
armazenada num aparelho destes excede a de todos os livros, de todas as
bibliotecas do mundo inteiro e qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode
explorar esse repositório.
- Mas isso é demais!
- E com estes computadores e seus
similares menores e portáteis a gente se comunica e com escrita, som e imagem
em tempo real com qualquer parte do mundo! O senhor já imaginou? É a tal da
web, coisa extraordinária.
- Claro que não, nem em sonho. Tá ouvindo
isso Brandina?
- Ouvindo muito bem, estou muito surpresa.
- Hoje se fala em globalização porque existe comunicação instantânea
em praticamente todas as partes do
globo terrestre. Antigamente, no seu tempo, o conhecimento humano dobrava a
cada trinta anos. Hoje, ele dobra a cada nove meses.
- Mas
assim ninguém mais acompanha.
-
Impossível! O conhecimento está aumentando explosivamente. Padrinho, o senhor acompanhou pelos jornais que aqui no
Brasil, um padre cientista gaucho, Landell de Moura, construiu uns aparelhos de
radiotelefonia que seriam chamados de radio que transmitiam vozes e ruídos.
- Ora
vejam, acompanhei sim, mais um brasileiro inventor!
- Depois,
aproveitando estes inventos do padre gaúcho, aumentaram as pesquisas até que, como todo mundo ficou sabendo, em Nova York em 1916, no ano passado, criaram a primeira estação de radio que se
tem notícia para falar para muitos ouvintes de uma só vez sobre apurações eleitorais para a presidência dos Estados
Unidos.
-
De fato, os jornais
anunciaram muito este tal de rádio.
-
Então, os rádios que os
senhores ouviram falar continuam evoluindo, mas cederam lugar a um aparelho chamado
televisão, com tela, que além de
transmitir o som, mostra imagens de lugares até no fim do mundo, do céu, da
água, das matas, das cidades e tudo o que existe e colorido como é na natureza.
- Mas era só o que faltava!
- O número desses televisores, hoje é maior
que o de habitantes do país, todo mundo tem. E a imprensa também evoluiu muito
e de tudo o que acontece já corre a notícia e tudo o que se descobre é divulgado de modo que
é produzida uma quantidade de informação por dia que nenhum ser humano pode
absorver em toda a sua vida.
- Então nem para estudar está fácil!
- Não está mesmo. Pra um jovem entrar num
ensino superior é obrigado a estudar dia e noite, armazenar um mundo de
informações, algumas até inúteis, e perder os melhores anos de sua vida.
- Mas então é uma sacanagem que estão fazendo
com a juventude, ora essa.
- E depois que se forma, hoje em dia o
profissional tem que ser estudante a vida toda ou cai fora porque se
manter atualizado deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade.
- Mas com isso eu concordo.
- E tem mais. O senhor gostou da descoberta do
telefone e acompanhou pelos jornais, pois lhe digo, isto evoluiu tanto e depois
que surgiu o tal de telefone celular, um aparelhinho como este aqui, de
carregar no bolso, todo mundo se fala a qualquer hora e de qualquer lugar. É
bom demais, mas acaba tirando até a privacidade da gente.
- Mostre-me isto aqui, não me diga que dá para
falar nele.Marta, venha ver!!!
- Outra coisa bem inquietante: Acredita-se, que com
o tempo, a tecnologia controlará as pessoas. Viveremos ligados, não podendo ir
a lugar nenhum sem que não se saiba. E isto nos obrigará a ser bons cidadãos.
- Por um lado é muito bom.
- Lembrei de mais algo bem importante. Sei que os
senhores gostaram de saber do invento de Santos Dumont, e até correu a notícia
de que dois aviões caíram aí perto de Porto União num combate aos revoltosos,
três anos atrás. Pois bem, nos dias de hoje, aviões de todos os tamanhos cortam
os céus do mundo inteiro, numa velocidade até maior que a do som.
- Não me diga!
- Sei também que o senhor soube do maior navio do
mundo, o Titanic que afundou em 1912. Pois bem, continuam saindo navios cada
vez mais modernos.
- É muito bom saber disso.
- E tem ainda mais, meus padrinhos! Agora os
carros andam sozinhos, não precisam de cavalos. O progresso é em todas as
áreas. Na medicina descobrem medicamentos novos a cada passo, fazem operações
milagrosas, mudanças de órgãos de uma pessoa para outra, fabricam bebês em
laboratórios e depois implantam no útero das mães, mudam de sexo, fazem curas
quase impossíveis, até à distância. Hi ... multiplicam plantas, pessoas e animais e fazem
outras iguaizinhas. Há quem afirme que até 2050 teremos conseguido parar o envelhecimento.
- Agora, exageraram, rs ....
Outra grande novidade, que considero das mais
importantes é que inventaram uma pílula que as mulheres tomam e não engravidam,
de jeito nenhum. Então
é o fim daquelas famílias numerosas de
antigamente.
- Ora vejam! Mas isso é um
milagre!
- Madrinha Branda, e tem
mais, as coisas estão mais fáceis para as donas de casa, porque inventaram
fogões e fornos muito rápidos e máquinas de lavar roupa, de sugar o pó e até de
lavar louça. Panelas que cozinham feijão em meia hora.
- Neco, eu também quero
estas novidades pra nossa casa, porque o trabalho caseiro é muito, sem falar no
de fora.
- Ah, pra tirar leite também
já inventaram máquinas.
- De fato os
tempos mudaram. Fico muito satisfeito em saber disso. Não me importaria em
morrer, tanto que pudesse acompanhar o progresso, diz o Padrinho pensativo.
- Marta, gostei muito de te ouvir, perceber que valoriza nosso trabalho, a luta pela terra, os nossos valores morais, nossos usos e costumes. Aqui nós semeamos amor antes de tudo, pelas pessoas, pelos animais, por este pedacinho de chão que nos pertence, pela natureza, pelo lugar onde nascemos e pela tradição que defendemos.
- Marta, gostei muito de te ouvir, perceber que valoriza nosso trabalho, a luta pela terra, os nossos valores morais, nossos usos e costumes. Aqui nós semeamos amor antes de tudo, pelas pessoas, pelos animais, por este pedacinho de chão que nos pertence, pela natureza, pelo lugar onde nascemos e pela tradição que defendemos.
- O senhor com sua inteligência, cultura, capacidade de
liderança e trabalho poderia fazer muita coisa em nossos tempos.
- Mas, e que tal que eu volto!
- Já voltou na nossa genética, com inúmeros netos,
bisnetos, trinetos, tetranetos e pentanetos
para o bem de Papanduva. Os senhores têm descendentes em muitos ramos de atividades como comerciantes,
professores, fazendeiros, advogados, agrônomos, empresários, escritores, farmacêuticos,
médicos, psicólogos, jornalistas, políticos, industriais, engenheiros,
dentistas, atores, pedagogos, arquitetos e por aí afora.
Marta, emocionada se despede dos bisavós/padrinhos com
efusivos abraços.
- Muito obrigada por esta oportunidade fantástica. Madrinha
Branda, Padrinho Furtado, tenho o maior orgulho de ser sua bisneta. Que Deus os
abençoe.
- Deus abençoe você também e
a toda a sua geração!
- Tem abençoado padrinhos,
tem abençoado!
Sinira10@yahoo.com.br
https://sinira10.blogspot.com
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Muito bom!
ResponderExcluirParabéns.
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ResponderExcluir"O tempo passa porém um dia nossas ações do passado podem surgir à tona"
ResponderExcluirProfessora, meus parabéns,apesar dos anos que se passaram a senhora continua nos ensinando mesmo fora das salas de aula, obrigado por lembrar do passado ,pois quem nào lembra do passado o futuro é muito nebuloso.
ResponderExcluirAqui está mais uma bisneta maravilhada com o texto e as histórias da família. parabéns, Sinira!
ResponderExcluirEmocionante, criativo e de grande reflexão. Uma mistura de passado, presente,com informações históricas da região. PARABÉNS!!!
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