domingo, 22 de novembro de 2015

LANÇAMENTO DE DOIS TONS DE TEMPO


Eis que lanço neste blog o meu conto “Dois Tons de Tempo” que faz parte da Antologia de Novas Vozes de Contos e Poesias da LURA Editorial.
Este conto é minha primeira obra online que se hospeda em meu próprio blog, com possibilidade de se agregar comentários para que este texto componente de uma antologia possa ser ampliado, reduzido, retificado, ou reescrito a qualquer momento, dando margem ao aprimoramento. É uma obra interativa.
A LURA EDITORIAL lançou sua primeira antologia compondo com dez autores. Cinco CONTOS e cinco POESIAS. Entre muitos escritores cinco contos foram escolhidos e entre eles “DOIS TONS DE TEMPO”. 

Antologia  é uma coleção de trabalhos literários ou musicais usado para categorizar coleções de obras, tais como histórias ou romances curtos, escritos em prosa ou verso, em geral agrupados por temática, autoria ou período e em um único volume para publicação.
Neste caso, a Lura Editora pediu um conto de ficção entremeado com a realidade com dez páginas no máximo. Assim criei este texto que convida a um mergulho no tempo. O tema escolhido para este conto é uma visita fascinante de uma bisneta ao contexto de seus bisavós numa retroativa de 100 anos.
Emerge no texto a personagem da bisneta como fictícia e mais os antepassados, os quais foram muito reais e presentes na história do Planalto Norte de Santa Catarina.
A história acontece durante uma visita aos citados bisavós, ocasião em que foi servido um café colonial e aí se desenvolve um diálogo interessante entre pessoas com diferença de quatro gerações. Confira e participe. Sua opinião é importante.
Como obra física existe na comunidade 20 volumes com esta apresentação.

               * * * * * * 

Antologia de Novas Vozes


                        DOIS TONS DE TEMPO
                                                       Conto de Sinira Damaso Ribas


O presente trabalho é um conto e como tal é ficção e, no caso entremeado com a realidade.
Este texto convida a um mergulho no tempo. O tema escolhido para este conto é uma visita fascinante de uma bisneta ao contexto de seus bisavós numa retroativa de 100 anos.
A personagem da bisneta é fictícia, mas os bisavós foram muito reais e presentes na história do Planalto Norte de Santa Catarina.
Nossos antepassados nos deram a vida, de um ventre ao outro, de mão em mão, de sopro em sopro, no suceder das gerações. São nossos predecessores e nossas próprias vidas passadas e estão presentes dentro de nós, em nossos genes, em nossa ancestralidade.
As células de nosso corpo contêm ecos de nossa família, e influenciam na forma de percebermos a realidade. Somos a manifestação direta dos conceitos de vida de nossos pais, avós, bisavós e familiares.
A reconexão com os ancestrais ajuda a compreendermos quem nós somos e de onde viemos. O conhecimento da origem da família, sua ligação a uma tradição, a uma cultura, a uma religião é parte fundamental da estrutura de identidade do Eu e requisito fundamental também para a autenticidade e maturidade da personalidade de cada um.
Eis a razão desta narrativa fictícia recheada de sentimento e gratidão.

                                                            Sinira Damaso Ribas



 Antologia de Novas Vozes

DOIS TONS DE TEMPO 
              
1º Capítulo
                                        VOLTA AO PASSADO

Dando um grande salto temporal de um século, retornamos ao ano de 1917.
Marta, cidadã de nossos tempos, em pleno século XXI vai visitar seus bisavós Manoel Estêvão Furtado e Brandina Carvalho Lustosa Furtado em sua residência na localidade de Rodeiozinho, colônia próxima de Papanduva.
Usamos o artifício da volta de um século no tempo. Afinal, quem nunca quis retornar ao passado para conversar com seus antepassados ou até para reescrever parte de sua história?
            Era um domingo, dia de primavera ensolarada... A tarde amarelada com o sol de setembro convidava ao passeio...
Já nas imediações da casa de comércio com uma varanda ao lado e um caramanchão florido, sentia- se o perfume das bougainvilleas acomodadas em
 pérgulas e presas em treliças junto às paredes.
As tímidas flores roxas foram as primeiras a despontar naquele ano. Floresciam solitárias em meio ao verde exuberante.
Quanta emoção invadia Marta. Afinal tudo ali era novidade e a conversa com pessoas tão qualificadas deveria ser muito interessante, pois era forte o desejo de conhecer a vida de seus antepassados pioneiros. Como era sua vivência no início do século passado?

* *
Fazendo um parêntese adicionamos alguns comentários sobre os personagens deste conto:
   Manoel Estêvão Furtado (1863 – 1939), vulto cívico papanduvense, nasceu em setembro de 1863 em São José dos Pinhais, Paraná. Perdeu o pai ainda muito cedo, mas recebeu boa educação. Os revezes da vida fizeram dele um lutador contumaz, acostumado ao trabalho na lavoura, agrimensura e comércio com tropeiros.
         Em 1890, na Catedral de Curitiba, casou-se com virtuosa dama da sociedade paranaense, Brandina Carvalho Lustosa  (1872-1938).

Este casal morava em São José dos Pinhais, onde nasceram seus primeiros filhos.
A família Furtado, com poucos bens materiais, mas com ânimo para trabalhar, veio fixar residência em localidades em que Manoel poderia exercer sua profissão de agrimensor e topógrafo, como Rio Preto, na época pertencente ao Paraná.
Manoel Estêvão Furtado, mais tarde morando na Moema, negociava com imigrantes fixados na Colônia Lucena e tropeiros que transitavam na serra do Bom-Sucesso.
Em 1902, já com 07 filhos, os Furtado se estabeleceram nos arredores de Papanduva, onde desbravando matas, construíram sua casa de morada, comércio atacadista e depósitos, instalaram sua fazenda e abriram estradas no local denominado Rodeio.
Manoel Estêvão era um homem culto, tinha grandes conhecimentos de agrimensura, facilidade em redigir documentos, comunicação e fino trato. Era avançado para sua época, pois mesmo morando no interior tinha a assinatura do jornal com a maior tiragem no Estado do Paraná.
Foi um grande líder e político na região. Manoel Estêvão Furtado, muito trabalhou em Papanduva e Itaiópolis (Colônia Lucena), como defensor dos direitos dos colonos poloneses e ucranianos (direito de posse ou compra de terras pelos estrangeiros no Brasil).


2º Capítulo
Encontro de gerações por um Século

Retornemos  ao nosso fantástico passeio em que uma bisneta volta a uma primavera que pertence a pessoas de um  tempo de outrora.
Marta chega (com seu automóvel) à frente da Capela dos Furtado e adentra o pequeno recinto para fazer uma oração ao santo da devoção da família, Bom Jesus de Iguape.
A morada dos Furtado ficava mais atrás, à esquerda. Batidas de palmas alertam os donos da casa.
Padrinho Furtado e Madrinha Branda chegam à varanda e recebem a visitante.
-Boa tarde. A bênção, Padrinho, a bênção, Madrinha. Vocês não me conhecem, mas sou Marta, sua bisneta e venho de Papanduva, para lhes fazer uma visita.
- Deus te abençoe, ... Deus te abençoe, responderam os moradores. Já vimos de tudo, mas esta visita é muito estranha.
- Não se preocupem com a novidade. Desde o ano de 2014 conseguimos voltar no tempo. No caso estou voltando 100 anos.
- Então seja bem-vinda. Aqui nós vivemos com simplicidade, trabalhamos bastante e estamos rodeados de vizinhos, parentes, compadres e empregados.
- Sei disso, pois o lastro de amizade da família é muito grande. Mas, me contem como vão de saúde.
Padrinho Furtado, como gostava de ser chamado, (o casal achava que avô envelhecia) relatou sua viagem a Iguape meses atrás: - Olha, melhorei muito depois que paguei uma promessa  de ir até o Santuário de Bom Jesus e inclusive trouxe uma imagem para colocar na capela que construí para o nosso povo. Posso dizer que estou a cada dia melhor deste problema da perna. A Brandina também está muito bem.
O casal foi de trole de molas até Rio Negro, de la até Curitiba, prosseguiu  de  trem até Paranaguá e depois de barco a vapor até Iguape. Na volta ainda comprou maquinários para montar uma serraria que trabalhou no Rodeiozinho por muitos anos.
- Então neste ano, as comemorações do dia do Santo já foram na capela nova?
- Sim, fizemos dias de oração, já antes de seis de agosto. No dia da festa preparamos churrasco de uma novilha e como sempre, no almoço servimos saladas, pão e sobremesa de arroz doce para todos os devotos.
- E a senhora, Madrinha Branda, teve muita trabalheira?
- Ah sim, sempre tenho, mas não me faltam ajudantes, minhas comadres e vizinhas e a família toda. A minha governanta Cecília me acompanha há anos, desde quando viemos de Curitiba.
- Mas que bom, e as lavouras como vão?
Padrinho Furtado com um sorriso largo e passando uma mão nos bigodes, afirmou que já fez vários “puxiruns” para preparar a terra e que já iniciou a semeadura de feijão e milho.
- O trabalho é grande com a derrubada da mata, queimada, aração puxada com cavalo, semeadura, carpida e colheita, só com o arado como mecanização e no mais com a foice e enxada.
Quanto ao “puxirum” era costume antiquíssimo dos agricultores promoverem essa interessante reunião, com fito social e ao mesmo tempo para facilitar suas plantações ou colheitas. Os nossos índios já faziam derrubada e queimadas, num trabalho solidário chamado pysyrõ.
- Padrinho, como são feitos estes puxiruns?
- Ah Marta, a gente marca a data bem adiantado, convidando todos os vizinhos, compadres, parentes e amigos para o serviço. Quando chega o dia, todos aparecem cedo trazendo suas ferramentas.  Antes do café com mistura (broa com torresmo e carne de porco ou pão com mel), servido pela Branda e as comadres, já vou servindo aos homens, uns tragos de cana “para esquentar”.
- E as lavouras ficam perto daqui?
- Algumas são aí junto, mas tenho plantações em toda a redondeza. Então depois todo mundo vai pras roças e eu comandando e pegando junto no pesado. Quando é o caso de roçada, o pessoal é distribuído pelas capoeiras, com boa distância pra começar o trabalho. E lá pelas dez horas, o serviço já atinge o auge do rendimento, e o pessoal já roçou muita tiguera.
 – Padrinho, isto é trabalhoso, mas divertido!
- Ah sim, a vizinhança não perde os meus puxiruns por nada. No final rende uma porção de alqueires e litros. Medimos em braças (2.20m), mas só para ser ter ideia do tamanho dos eitos trabalhados.  Fazemos inclusive uma oração para que tudo saia bem e mando todo mundo passar alho nas botas para espantar as cobras.
- Maravilha, padrinho!
Enquanto isso um chimarrão corre de mão em mão.
Padrinho Furtado continua narrando:- A Branda e a mulherada da cozinha serve o almoço caseiro com feijão, arroz, couve, saladas e carnes preparadas em  tachos e panelões. Depois da comida, a gente enrola mais uns “palheiros” e volta ao serviço, com a mesma boa vontade até ao entardecer. A janta também é reforçada.
- Gostei demais desta modalidade de trabalho, exclama Marta entusiasmada. - Hoje se usa muito trabalho em equipe que no fundo tem algo de parecido.
- Calma menina, o melhor vem depois, à noite com o baile do puxirum, quando aquele pessoal que trabalhou de sol a sol, ainda dança e diverte-se cheio da mais justa satisfação, até o dia amanhecer.
E assim, continua o Padrinho Furtado: Com isso, cada vizinho volta pra casa satisfeito, achando que deu o seu “ajutório”, como eles falam e sabendo que quando precisar de algo, tem com quem contar. Quando alguma mulher fica viúva ou algum colono fica doente, a gente trata com homeopatia e eu mesmo convoco o meu pessoal de sempre pra fazer o serviço de planta ou colheita conforme é preciso.
- Madrinha e padrinho...., como é importante esta forma de trabalho, coisa que nos meus dias não acontece mais.
- De fato, é uma forma muito boa de trabalho congregado.
Só para listar os momentos mais expressivos, lembramos que Manoel Estêvão Furtado, na passagem do século XIX para XX, vivenciou grandes transformações como a abolição da escravatura, participou da Revolução Federalista, tomou ciência da proclamação da República, teve a cabeça à prêmio na Guerra do Contestado, acompanhou a ampliação acelerada do mercado interno e a imigração em massa.
A conversa corria solta.
-E como vai sua casa de comércio?
- Não dá pra se queixar porque sempre temos a procura de muita coisa. Lido com varejo e atacado. No varejo temos de tudo, desde secos e molhados, tecidos, máquinas de costura, ferragens e material de trabalho para a lavoura, produção de laço, bruaca, arreio, pelego e outros.
- E a sua casa de comércio no atacado também é importante na região?
- Sim eu negocio com os imigrantes “polacos e ucraínos” que chegam aqui, faço a medição dos lotes e recebo um tanto em terreno e outro tanto em marcos, por isso sempre vou a Curitiba trocar o dinheiro, fazer compras e visitar os parentes da Branda.
 Continua: Compro madeira, mando fazer dormentes pra estrada de ferro e negocio muito com erva. Logo mais começo a serrar e os negócios devem aumentar, mas os filhos me ajudam muito.

- Assim os negócios se ampliam!
- Agora sei que a maneira de fazer roças vai mudar bastante.  Tenho acompanhado pelos jornais as criações de Henry Ford, mas agora em 1917 fiquei sabendo que ele criou uma máquina com força de 20 cavalos com o nome de Trator Fordson. Isso vai ajudar muito nos trabalhos de lavoura.
- Qual é o jornal que o senhor assina?
- Assino o “Jornal do Commercio”, que tem a maior circulação no Paraná  e pego números avulsos da “Folha da Tarde” de Curitiba porque é um jornal bem feito, noticioso, bem redigido, que a gente lê com prazer e fica satisfeito de ter empregado os 100 reis do seu custo, rsrs
- Já se vê que o senhor é pessoa muito bem informada.
A bisneta/afilhada continuava perguntando: - E com erva o senhor tem negociado muito?
- Sempre, porque compro toda a erva produzida nas colônias e mando de carroção a Rio Negro. Tenho quatro carroções viajando direto. O trajeto é pela Estiva e muitas vezes no Passo Ruim, quando chove, as coisas se complicam. Algumas vezes nós mesmos entregamos a erva em Joinville e de lá vai para exportação.
- É verdade que a erva vai em barricas para o porto?

- Vai sim, em barricas de pinho de 100 quilos líquido. Em Rio Negro existem as fábricas de barricas e aí no Papanduva fabricam os arcos. Em 1900, quando cheguei aqui tinha até fábrica de rótulos para as barricas, mas o pessoal foi embora com medo dos jagunços.
- É mesmo?
- De fato a região sofreu muito no tempo das revoltas e muita gente foi embora daqui para o litoral. Vai demorar muito pra estes lugares se recuperarem dos prejuízos.
- Sem dúvida.
- O melhor mesmo é que neste ano de 1917 decidiram as divisas entre os Estados e já sabemos que de agora em diante estamos em Santa Catarina. Acaba esta história desagradável de pagar impostos aqui e ainda mais para o Paraná que teima em botar barreiras de cobrança. Imposto sempre foi uma desgraça desde o tempo dos tropeiros. Cobram demais, não canso de dizer que é por isto que o Brasil não vai pra frente.

  3º Capítulo
                                                 Café com Mistura

A prosa seguia animada quando surgiu o convite para que todos fossem tomar um café com mistura. Era inigualável o aroma do delicioso café feito no fogão à lenha e no coador de pano. A cozinha espaçosa com 40 metros quadrados era o cômodo principal da casa.
Quando chegava alguma visita, invariavelmente ninguém iria embora sem provar as delícias preparadas por dona Brandina.
A Mesa de refeições era de imbuia maciça e tão comprida que comportava toda a família e os criados domésticos.
O dono da casa sentado à cabeceira da mesa conversava com calma num ambiente acolhedor. Marta encantou-se com o bule e açucareiro de esmalte e café servido em canecas de louça. E o “bolo estendido” não poderia faltar, ou melhor, “bolinho Furtado” como também era conhecido, foi servido recheado com queijo e marmelada caseiros.
De volta à sala a conversa seguia muito interessante quando Manoel Estêvão Furtado comenta que aproveita a volta dos carroções para trazer mercadorias para as bodegas do interior, como Moema, Iracema, Colônia Lucena, Tuneira, São Tomaz, para sede do Distrito, Salto do Itajaí, Queimados e Floresta.
Depois de vários comentários sobre a vida da família no Rodeiozinho, a bisneta conta como está o Papanduva de agora na educação, no turismo, na agroindústria, na pecuária de corte e leiteira.
- Os senhores precisam saber como está o Papanduva de hoje, na época atual em que vivo, nesta segunda década do século XXI.
A cidade continua com suas ruas de 20 metros de largura como o senhor meu bisavô projetou num trabalho como topógrafo contratado pela prefeitura de Rio Negro. Há um século, quanto tempo atrás, o senhor já teve uma visão futurista. Meus parabéns!
- De fato as cidades vizinhas tinham as ruas bem mais estreitas.
- A educação que vocês tanto prezam continua firme se expandindo no Município. Uma novidade é que não existem mais aquelas escolinhas isoladas nas colônias. Nos dias de hoje as crianças vem de ônibus assistir aulas na sede de Papanduva. E agora ainda inventaram escola em tempo integral, o dia todo com refeições e tudo.
- Interessante!
- Mais uma novidade: na entrada da cidade de Papanduva existe uma escola grande que leva o seu nome Escola de Ensino Fundamental Manoel Estêvão Furtado e o clube de mães da escola tem o nome de Madrinha Branda.
- Quem diria!
- Mas foi uma homenagem muito merecida, pois o senhor contratava professores para as crianças da sua vizinhança e pagava do próprio bolso e inclusive trazia as lousas de Curitiba para os alunos escreverem.
-É verdade, a Brandina fazia muito gosto que todas as crianças tivessem aulas, não só os nossos filhos.
- Nos dias de hoje se usa quadro de giz e aparelhos chamados computadores que funcionam melhor do que um rádio porque têm imagem e mostram pesquisas e notícias do mundo todo e nele se escreve com a maior rapidez. As crianças são muito espertas nisso.
- Que coisa incrível!
- A agricultura mudou muito. De alguns anos para cá pode-se dizer que houve uma verdadeira revolução verde com o uso de sementes novas e práticas agrícolas que permitiram um enorme aumento na produção. Hoje existe uma febre incontrolável pela busca de produtividade, qualidade, competitividade e lucratividade. É uma correria desenfreada!
- Mas com calma se consegue fazer um trabalho muito melhor!
- Também penso assim, mas agora se fala em Qualidade Total e em  sustentabilidade;  tudo deve ser equilibrado com relação às plantações, o uso certo da terra e o bem de quem trabalha nela.
Fala-se em inclusão social para incentivar a permanência  das pessoas nas colônias, com maior rendimento de suas lavouras e condições de viver melhor.
            - Mas isso é muito positivo.
- Ah, mais uma novidade: agora, para muita gente,  não existe mais o problema de seca e o perigo de perder as roças  porque inventaram instrumentos que vão girando e jogando água nas lavouras por horas a fio. Chamam de irrigação.
- Mas que bênção!
- Outra coisa : os bancos financiam as lavouras e no caso de perdas os seguros pagam uma parte, mas nunca o total como prometem. O melhor mesmo é orar para que as lavouras vão bem.
- Eu também não gosto de emprestarar de bancos. E os bancos só dão dinheiro pra quem já tem. O melhor é fazer as coisas na raça mesmo.
            - Mas é isso, padrinhos. Este Município tem grandes lavouras de soja, que vocês nem conhecem, ou melhor, só conheciam como forragem; é campeão em criação de suínos e tem uma boa criação de gado de corte e de leite e se expande na agroindústria.
 - Gostei muito de saber destas novidades. Vou ter muito no que pensar por uns tempos, rs.
- Lembrei de uma novidade melhor ainda. Saiba o senhor que temos uma estrada larga, bem feita, parelha como se fosse cimentada que vai direto de Papanduva até Blumenau, passando pela serra do Bom Sucesso e Doutor  Pedrinho. Chamam este revestimento das estradas de asfalto e esta chama-se SC BR 477, nosso sonho antigo.
 - Puxa vida, agora sim o comércio e tudo vai deslanchar nesta região.
- Tem mais coisas fantásticas que usamos. Agora, no meu tempo, existem aparelhos chamados computadores que ajudam nas pesquisas de todos os assuntos e a quantidade de conhecimento que pode ser armazenada num aparelho destes excede a de todos os livros, de todas as bibliotecas do mundo inteiro e qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode explorar esse repositório.
- Mas isso é demais!
- E com estes computadores e seus similares menores e portáteis a gente se comunica e com escrita, som e imagem em tempo real com qualquer parte do mundo! O senhor já imaginou? É a tal da web, coisa extraordinária.
- Claro que não, nem em sonho. Tá ouvindo isso Brandina?
- Ouvindo muito bem, estou muito surpresa.
- Hoje se fala em globalização porque existe comunicação instantânea em     praticamente todas as partes do globo terrestre. Antigamente, no seu tempo, o conhecimento humano dobrava a cada trinta anos. Hoje, ele dobra a cada nove meses.
- Mas assim ninguém mais acompanha.
- Impossível! O conhecimento está aumentando explosivamente. Padrinho, o  senhor acompanhou pelos jornais que aqui no Brasil, um padre cientista gaucho, Landell de Moura, construiu uns aparelhos de radiotelefonia que seriam chamados de radio que transmitiam vozes e ruídos.
- Ora vejam, acompanhei sim, mais um brasileiro inventor!
- Depois, aproveitando estes inventos do padre gaúcho, aumentaram as pesquisas até que, como todo mundo ficou sabendo, em Nova York  em 1916, no ano passado,  criaram a primeira estação de radio que se tem notícia para falar para muitos ouvintes de uma só vez sobre apurações eleitorais para a presidência dos Estados Unidos.
-       De fato, os jornais anunciaram muito este tal de rádio.
-       Então, os rádios que os senhores ouviram falar continuam evoluindo, mas cederam lugar a um aparelho chamado televisão, com tela, que além de transmitir o som, mostra imagens de lugares até no fim do mundo, do céu, da água, das matas, das cidades e tudo o que existe e colorido como é na natureza.
- Mas era só o que faltava!
- O número desses televisores, hoje é maior que o de habitantes do país, todo mundo tem. E a imprensa também evoluiu muito e de tudo o que acontece já corre a notícia e  tudo o que se descobre é divulgado de modo que é produzida uma quantidade de informação por dia que nenhum ser humano pode absorver em toda a sua vida.
- Então nem para estudar está fácil!
- Não está mesmo. Pra um jovem entrar num ensino superior é obrigado a estudar dia e noite, armazenar um mundo de informações, algumas até inúteis, e perder os melhores anos de sua vida.
- Mas então é uma sacanagem que estão fazendo com  a juventude, ora essa.
- E depois que se forma, hoje em dia o profissional tem que ser estudante a vida toda ou cai fora porque se manter atualizado deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade.
- Mas com isso eu concordo.
- E tem mais. O senhor gostou da descoberta do telefone e acompanhou pelos jornais, pois lhe digo, isto evoluiu tanto e depois que surgiu o tal de telefone celular, um aparelhinho como este aqui, de carregar no bolso, todo mundo se fala a qualquer hora e de qualquer lugar. É bom demais, mas acaba tirando até a privacidade da gente.
- Mostre-me isto aqui, não me diga que dá para falar nele.Marta, venha ver!!!
- Outra coisa bem inquietante: Acredita-se, que com o tempo, a tecnologia controlará as pessoas. Viveremos ligados, não podendo ir a lugar nenhum sem que não se saiba. E isto nos obrigará a ser bons cidadãos.
- Por um lado é muito bom.
- Lembrei de mais algo bem importante. Sei que os senhores gostaram de saber do invento de Santos Dumont, e até correu a notícia de que dois aviões caíram aí perto de Porto União num combate aos revoltosos, três anos atrás. Pois bem, nos dias de hoje, aviões de todos os tamanhos cortam os céus do mundo inteiro, numa velocidade até maior que a do som.
- Não me diga!
- Sei também que o senhor soube do maior navio do mundo, o Titanic que afundou em 1912. Pois bem, continuam saindo navios cada vez mais modernos.
- É muito bom saber disso.
- E tem ainda mais, meus padrinhos! Agora os carros andam sozinhos, não precisam de cavalos. O progresso é em todas as áreas. Na medicina descobrem medicamentos novos a cada passo, fazem operações milagrosas, mudanças de órgãos de uma pessoa para outra, fabricam bebês em laboratórios e depois implantam no útero das mães, mudam de sexo, fazem curas quase impossíveis, até à distância. Hi ...  multiplicam plantas, pessoas e animais e fazem outras iguaizinhas. Há quem afirme que até 2050 teremos conseguido parar o envelhecimento.
- Agora, exageraram, rs ....
Outra grande novidade, que considero das mais importantes é que inventaram uma pílula que as mulheres tomam e não engravidam, de jeito nenhum. Então
é o fim daquelas famílias numerosas de antigamente.
- Ora vejam! Mas isso é um milagre!
- Madrinha Branda, e tem mais, as coisas estão mais fáceis para as donas de casa, porque inventaram fogões e fornos muito rápidos e máquinas de lavar roupa, de sugar o pó e até de lavar louça. Panelas que cozinham feijão em meia hora.
- Neco, eu também quero estas novidades pra nossa casa, porque o trabalho caseiro é muito, sem falar no de fora.
- Ah, pra tirar leite também já inventaram máquinas.
- De fato os tempos mudaram. Fico muito satisfeito em saber disso. Não me importaria em morrer, tanto que pudesse acompanhar o progresso, diz o Padrinho pensativo.
- Marta, gostei muito de te ouvir, perceber que valoriza nosso trabalho, a luta pela terra, os nossos valores morais, nossos usos e costumes. Aqui nós semeamos amor antes de tudo, pelas pessoas, pelos animais,  por este pedacinho de chão que nos pertence, pela natureza, pelo lugar onde nascemos e pela tradição que defendemos.
- O senhor com sua inteligência, cultura, capacidade de liderança e trabalho poderia fazer muita coisa em nossos tempos.
- Mas, e que tal que eu volto!
- Já voltou na nossa genética, com inúmeros netos, bisnetos, trinetos, tetranetos e pentanetos  para o bem de Papanduva. Os senhores têm descendentes em muitos  ramos de atividades como comerciantes, professores, fazendeiros, advogados, agrônomos, empresários, escritores, farmacêuticos, médicos, psicólogos, jornalistas, políticos, industriais, engenheiros, dentistas, atores, pedagogos, arquitetos e por aí afora.
Marta, emocionada se despede dos bisavós/padrinhos com efusivos abraços.
- Muito obrigada por esta oportunidade fantástica. Madrinha Branda, Padrinho Furtado, tenho o maior orgulho de ser sua bisneta. Que Deus os abençoe.
- Deus abençoe você também e a toda a sua geração!
- Tem abençoado padrinhos, tem abençoado!  

 Sinira10@yahoo.com.br
  https://sinira10.blogspot.com
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6 comentários:

  1. Qual sua opinião sobre o fornecimento de informações particulares à terceiros assim como a utilização de benefício de cargo para tal ação?

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  2. "O tempo passa porém um dia nossas ações do passado podem surgir à tona"

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  3. Professora, meus parabéns,apesar dos anos que se passaram a senhora continua nos ensinando mesmo fora das salas de aula, obrigado por lembrar do passado ,pois quem nào lembra do passado o futuro é muito nebuloso.

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  4. Aqui está mais uma bisneta maravilhada com o texto e as histórias da família. parabéns, Sinira!

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  5. Emocionante, criativo e de grande reflexão. Uma mistura de passado, presente,com informações históricas da região. PARABÉNS!!!

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